quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Oui, Oui, Paris - Capítulo 3


                 Outra manhã.  Dois dias para a grande viagem.
                Logo que cheguei à escola, vi o Marcelo e sacudi minha mão para ele, apontando para o colar em meu pescoço. Ele sorriu.
                Sentei no meu lugar.
                -Minha mãe achou lindo! – disse, pulando até mesmo o “oi” habitual.
                -Haha, fico contente então. O que vai fazer hoje de tarde?
                Pensei por um momento. As malas já estavam praticamente prontas (minha mãe é viciada em arrumação). As aulas de dança já haviam acabado há alguns dias. As provas finais haviam sido na semana passada. Na realidade, não havia muita coisa a ser feita.
                -Acho que o que tenho de mais interessante pra hoje é levar o Smudge para passear.
                O garoto pensou por um momento.
                -Qual a raça do seu cãozinho?
                -É um Lhasa Apso. Por quê?
                -Eu tenho uma Sharpei. Será que eles passeariam juntos?
                Sorri com a ideia.
                -Acho que teremos de conferir essa tarde.
                A professora entrou na sala dando berros. Pelo jeito ela já havia corrigido as provas. Virei-me para frente e disse que depois conversaríamos mais.
                A aula passou mais rápido do que no dia anterior, tenho que admitir. O Renan faltara (mas, por incrível que pareça, só percebi isso na terceira aula), e tivemos uma dinâmica em grupo na classe de sociologia.
                De tarde, às 16 horas, o Marcelo veio me buscar em casa para passearmos com nossos cachorros.
                Logo que ele chegou, percebi que as dúvidas sobre se os nossos cachorros se dariam bem estavam acabadas. De cara, eles se amaram.
                -Qual é o nome dela? – perguntei após dar um abraço no meu novo amigo, que estava de cabelo molhado assim como eu, e ir fazer carinho na cadelinha.
                -Pâm.
                -Só Pâm? – disse, enquanto levantava e segurava mais forte na coleirinha do Smudge, que estava louco pela nova amiga.
                -Por que “só”?
                -Bem, - falei, já começando a andar ao lado de Marcelo. – são apenas três letras.
                -Mas existem nomes de pessoas com apenas três letras, não existem?
                Dei risada. Ele estava certo, certíssimo. Meu nome mesmo era prova disso.
                -Touche.
                Caminhamos por algum tempinho em silêncio, acompanhando os cachorrinhos que pareciam em êxtase.
                -Acho que você é a primeira amiga que faço naquela escola. – disse rápido, mudando completamente o assunto. – Quer dizer, se for minha amiga.
                Torci o nariz como sempre fazia quando algo me deixava confusa.
                -Espera, mas você estuda lá faz tempo, não estuda?
                -Sim. – disse, mais cabisbaixo. – Quatro anos. Mas não tenho muitos amigos, acho que sou meio diferente, deve ser por isso.
                -Defina “diferente”. – falei, pensando sobre o que ele dissera.
                -Quer dizer, sou meio tímido. Tiro boas notas (o que, na verdade, acontece porque não tenho muito a fazer em casa), não jogo futebol, não gosto de sair e beber, nem curto ir a festas. Praticamente não falo também.
                Concordei. Não havia porque discordar, era a verdade. Tão verdade, que eu só sabia seu nome por causa de um trabalho em que fizemos juntos e eu tivera de escrever os nomes na cartolina.
                Paramos de andar por um momento.
                -Marcelo, - disse. – você é especial. Pelo menos está sendo um amigo muito bom. Vou sentir sua falta em Paris.
                Por um segundo, vi um sorriso em seu rosto. O garoto virou-se para frente novamente e voltamos a andar.
                -Sei que é meio pessoal, mas sempre tive uma dúvida. Posso perguntar? – disse ele, após alguns instantes.
                -Claro, pergunte.
                -Você e o Renan. Porque terminaram?
                Ui, legal. Achou meu calcanhar de Aquiles. E o pior é que eu não sabia como responder àquela pergunta.
                -Sinceramente? Eu não sei. – respondi. – Quer dizer, na teoria eu sei sim. Eu não tinha muito tempo para ele por causa da escola e da dança. Mas havíamos feito tantas promessas. Em um dia ele disse que superaríamos tudo isso juntos, que não iríamos nos separar porque nos amávamos... E, na semana seguinte, disse que estava cansado da minha falta de tempo e que nem o amor que sentia podia superar isso. Na prática, a desculpa não fez muito sentido para mim.
                Marcelo parou e ficou ali, até que olhou no meu rosto. Lágrimas já estavam quase descendo pela minha face em relembrar de tudo aquilo. Percebi que nunca dissera aquilo em voz alta, que sempre tentara me enganar dizendo que fora a falta de tempo que nos fizera terminar, quando, no fundo, eu sabia que não podia ser isso.
-Lua? – falou Marcelo, erguendo meu rosto enquanto uma lágrima descia. Não queria que ele me visse chorar. – Foi isso que ele disse a você?
                Naquele instante, fiquei um pouco confusa. A maneira que Marcelo fizera aquela pergunta... Parecia até mesmo que ele sabia mais do que eu. Quando olhei em seus olhos, percebi que estava certa.
                -Sim, foi o que ele me disse. – respondi, sem entender muito bem o que estava acontecendo.
                -E você acredita nisso? – falou, novamente me surpreendendo. Estávamos em uma ponte que passava em cima de um pequeno laguinho, e ali havia um banco. Sentei, tentando pensar.
                -Sim. Bem, na realidade não sei. Sinto que há algo a mais. Por que, o que você sabe? – perguntei, soltando tudo de uma vez. Até as lágrimas pararam de ameaçar cair.
                Marcelo sentou-se ao meu lado. Ambos ainda segurávamos nossos cachorros.
                -Lua, eu acho que sei por que ele quis terminar.
                Segurei a respiração.
                -Sabe?
                -Talvez eu saiba, talvez esteja pensando errado. Mas,na semana em que vocês se separaram, aconteceu algo.
                Olhei em seus olhos, esperando que continuasse.
                -Aconteceu uma festa. Por incrível que pareça, eu fui. Era uma festa na casa de uma amiga da minha família, fui meio obrigado a ir. Lembro que cheguei à casa e o Renan também estava lá. Claro, ele não me percebeu. Mas, em certo momento, o vi com uma garota que nunca vira antes. – ele parou por um segundo, como se tivesse medo de continuar.
                -Com... Uma garota? Poderia ser a irmã dele, ou uma prima, ou...
                -Lua... Eles estavam se beijando.
                E aquela informação foi demais para mim. Já fazia dois anos, eu sei, mas a sensação de traição veio com tudo.
                As lágrimas começaram a rolar, eu estava desolada como há tempos não ficava. Marcelo não sabia muito bem o que fazer naquele momento, mas colocou a minha cabeça em seu peito e ficou ali, me abraçando.
                -Lua, acalme-se, já faz tempo.
                -E-eu s-se-sei. – dizia, sem conseguir proferir palavras direito.
                Depois de alguns minutos assim, parei de chorar e me acalmei. Marcelo estava certo, já fazia muito tempo.
                Levantei da camisa encharcada dele.
                -No-nossa, desculpa por isso. Desculpa por chorar.
                Ele balançou a cabeça negativamente.
                -Ei, não fale isso. Amigos são pra essas coisas, não são?
                Eu, de repente, fui fisgada por seus olhos. O azul escuro deles me acalmou por alguns instantes.
                Renan fora um babaca. Talvez não tenha aguentado o peso da traição e terminara comigo, mas, de qualquer jeito, um babaca. Deixara-me pensar, esse tempo todo, que o problema fosse comigo.
                Mas, naquele instante, o Renan não importava. Nossa história juntos não importava.
                Tudo que eu enxergava, ali, na minha frente, eram os olhos mais lindos que já vira.
                O azul deles, tão forte quanto o mar, transportava tranquilidade. E eu senti algo estranho dentro de mim, algo que não sentia há muito tempo de verdade.
                O garoto segurou em minhas mãos. Minha cara inchada devia estar um nojo, sem contar que ainda estava totalmente molhada de tantas lágrimas, mas nada mais importava.
                Somente aqueles olhos.
                Tenho certeza de que ele sentiu a mesma coisa, pois começou a se aproximar. E eu só queria ver aqueles olhos mais de perto, senti-los em mim.
                Estávamos a milímetros de distância quando eu não precisei mais vê-los. Sabia que estariam cravados em mim por muito tempo.
                Fechei meus olhos e nossas bocas se uniram. Foi um beijo rápido, salgado pelas lágrimas do meu rosto, mas perfeito. Nunca havia sentido algo assim antes, tinha certeza. Tudo em meu corpo sorria.
                Ficamos com os lábios pressionados, até que ouvi um latido e fui para trás, rapidamente.
                Marcelo levantou de supetão, mais vermelho impossível.
                -Talvez... – eu disse, confusa. – Talvez seja melhor voltarmos.
                -Sim, voltarmos.
                Voltamos para casa sem tocar no assunto. Conversamos sobre outras coisas, mas, a todo o momento, a sensação calorosa e perfeita daquele beijo voltava até mim e eu não sabia mais como ignorá-la.
                Despedimos-nos como dois amigos e eu fui para casa, bem mais calma. Contanto, durante aquela noite, não foi a traição de Renan que invadiu meus pensamentos. Tudo que vinha até mim era o fato de que eu havia gostado de beijar Marcelo.
                E talvez estivesse me apaixonando novamente.

               By Babi 

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